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20.5.09

Como uma Trupe de Circo

Garoto Cósmico viajando através do Cine Tela Brasil, linda iniciativa de Laís Bodanzky e Luís Bolognesi, que leva o cinema brasileiro pelos rincões do país.

6.7.08

Cinequanon

"Garoto Cósmico", animação de Alê Abreu – 35mm – 77 min – 2007 
Por Cid Nader

Existem filmes de "criança" que exigiriam avaliações muito mais complexas do que pensar simploriamente neles como, "filmes de criança". Alê Abreu vem traçando um caminho muito particular nessa sua opção de animador cinematográfico. Tem uma capacidade incrível - quase única pelo seu modo muito particular de enxergar as possibilidades que fazer animação pode alcançar - para o domínio de técnicas. Mas vai muito além da excelência no domínio delas, para intrometer em seus trabalhos - bastante detalhados e bem construídos - "alma" e muito o que dizer. Nem é tão profícuo nessa sua profissão de "desenhista animado" - são quatro trabalhos num período de cerca de quinze anos (lembro que tinha um em fase de confecção, mas não sei a quantas anda), o que denuncia um autor meticuloso e cuidadoso, ainda mais num país que nem oferece tantas facilidades para as produções executadas à mão -; ele aparece muito mais contundente no quesito "números absolutos" quando se confere seu trabalho em livros.

"Garoto Cósmico" é um típico exemplo de Alê. Assim: demorado em sua confecção total (algo em torno de sete anos); cuidadoso ao extremo na edição; direto e sem firulas nos desenhos imaginados para caracterizar os seres que transitam pelo filme; e, principalmente, precioso na essência da história a ser contada - sem esquecer também da excelência no trabalho de som e na escolha e criação das músicas (talvez esse fator, "música no filme", possa ser embaralhado e imiscuído à essência da idéia imaginada para a história, porque é um trabalho de garimpo sonoro muito sensível e voltado ao lúdico e a um modo de c(a)ontar algo genuinamente infantil). E quando digo que a história do filme é genuinamente infantil, venho com isso querer demonstrar o quão pode ser bom um trabalho que se imagina voltado ao mundo dos petits; o quanto pode ser obra voltada para seres pensantes e com a mente muito mais aberta às possibilidades que lhe serão narradas - algo muito ao contrário do que vem se institucionalizando como o modo de observação desse mundo atual, que trata as crianças como "elementozinhos" propensos ao bom gasto da graninha suada dos pais, ou como serzinhos que não conseguem imaginar nada além do que venha mastigado idiotamente por um tanto de "gente" responsável pelo diálogo com elas, em diversas de nossas mídias modernas (principalmente cinema e TV); e nem vou me dar o trabalho de citar nomes porque é de conhecimento geral. Se fosse para colocar numa paralela sua obra e seu modo inteligente de diálogo com o mundo infantil com a mídia de mais alcance, diria que a obra de Alê caminha na mesma toada dos programas da TV Cultura.

Aliás, "Garoto Cósmico" tem um certo punch de programa da emissora estatal de São Paulo. O modo como as músicas são entoadas e seu papel complementar dentro da história exposta via imagens são elementos mais vivos dentro do trabalho do que simples "emolduradores" ou embelezadores – apesar de serem minuciosas e belas como raramente se vê por aí. Os desenhos que do filme variam conforme as necessidades: no início são de formato preciso, poucos traços, "higienizados" – como que para fazer justiça à primeira da história que nos remete a um mundo no futuro que caracteriza nossos medos mais interiores quanto à não individualidade, ao pensamento em rede, à não possibilidade da vida particular (e aí já se manifesta uma idéia do autor, justíssima em suas preocupações, e precisa para desmistificar a "criança burra atual que não entenderia o bom recado a ser passado"). Com o passar do tempo e o avanço do lúdico sobre a mecanização, os traços passam a ganhar maleabilidade e evidenciam um mundo muito mais colorido, inclusive (bom lembrar que o pano de fundo na transformação que os personagens principais sofrerão é um circo, e cores têm tudo a ver); a conversa com Giramundo enquanto as nuvens vão tomando formatos diversos também são evidentes exemplos técnicos da nova diretriz estética da história (afora o fato de remeter às primeiras manifestações de imaginação mais livres e particulares em nossa infância); esteticamente, Alê também ousa (bem pouquinho, é verdade) com a intromissão de elementos reais filmados – surge um novo planeta que nada mais é do que uma mexerica, há uma mão toda pintada que passa rapidamente durante a execução de uma das músicas... -; acontecem até situações de puro psicodelismo.

As figuras que habitam e começam a servir de novas referências são mais para maluquetes do que "normais", acabando por fazer com que as crianças que vemos desde o início, na tela, passem a parecer cada vez mais criancinhas. Essa é a essência do trabalho. Essa é a meta de Ale Abreu. E resulta um "Garoto Cósmico" que é inteligente, que é infantil, que é para adultos também. Como se ele quisesse provar que dominar as técnicas narrativas e os elementos de cada estilo jamais deveria servir de desculpa para obras incompletas e com pouco a dizer. 

http://www.cinequanon.art.br/gramado_detalhe.php?id=313&id_festival=57

30.10.07

Revista Cinética


Garoto Cósmico, de Alê Abreu (Brasil, 2007)por Paulo Santos Lima


Sob a tenda de um circo

Na maior parte do tempo, os filmes de animação são valorizados na medida em que reproduzem “realisticamente” o mundo “real”. Esse “real”, no caso, é a própria gramática aplicada pelo cinema para construir sua diegese a partir do mundo em que vivemos. Assim, é comum que se arregale os olhos para os desenhos que conseguem simular os procedimentos concretos do exercício cinematográfico, como RatatouilleOs Incríveis eProcurando Nemo (exemplos extraordinários, topo de linha, com reproduções estilísticas complexas, de decupagem do espaço a movimentos de câmera). Essa é uma estética contemporânea dos desenhos, seguida ou não pelos cineastas do mundo de hoje, e que conta sobre conteúdos já bastante comentados outrora: amizade, lealdade, perseverança, reorganização do caos.
Nesse cenário, Garoto Cósmico desponta como uma obra bastante interessante, na medida em que o diretor Alê Abreu opta por um traço retrô. O Yellow Submarine dos Beatles, dirigido por George Dunning, é uma proximidade – ainda que o longa de Abreu seja bem mais pé no chão, comportado, longe da deliciosa e iluminada viagem ácida desse filme de 1968. Assim, Garoto Cósmico pisa no terreno do infanto-juvenil dos anos 70, quando a TV Globo, por exemplo, juntava ingredientes da fantasia monteirolobatiana de Vila Sésamo reformatados num simulacro interessantíssimo do telejornalismo com o programa Globinho, e ainda adotava o lúdico da mímica genial de Juarez Machado no Fantástico. E é com Machado que o grande personagem do filme, Giramundos, assemelha-se fisicamente.
Com o circo servindo como referência vertebral aqui, está claro que Alê Abreu traz à tela parte de sua experiência pessoal, e, claro, um universo dos anos 70 (década em que o virtual ainda era uma ficção científica) que lhe diz respeito. A história passa-se em 2973, quando todos são guiados por uma espécie deinteligentsia, um deus-máquina onipresente que conduz todas as ações humanas, numa lógica infernal (e maquinal) em que a produtividade é o objetivo supremo. Numa galáxia cujos planetas dividem maciçamente funções sob nomenclatura disfarçada – planeta da 3ª idade (os fora do mercado de trabalho), planeta dos robôs (os produtivos), planeta das crianças (o condicionamento) -, a humanidade vive em estado zumbi. Não há como dissociar esse estado de coisas de THX 1138, primeiro longa de George Lucas (dos anos 70, aliás), e Alê Abreu faz um ótimo trabalho visual, em azul e branco e reproduzindo uma dinâmica de linha de montagem opressiva (notavelmente acentuada para um filme infantil).

Nesse ambiente, há três crianças que, buscando ganhar mais pontos (ganha-se pontuação através da produtividade – o que, no caso dos pirralhinhos, é seguir a pauta dada pelo Big Brother e estudar toda uma sorte de matérias tão pouco reflexíveis quanto inúteis), acabam saindo daquele sistema. Param num planeta que parece uma laranja, meio semelhante à Terra, solar, colorido, meio Beatles, e lá conhecem Giramundos (voz de Raul Cortez), dono de um circo que apresentará à trinca um novo estar no mundo: mais sensorial, reflexivo, lúdico, pulsante. O céu torna-se um lugar de visibilidade, com nuvens tomando formas diversas. O trem da trupe circense, que é uma negação ao maquinário automatizado dos outros planetas dominados pelo vilão, tem vagões temáticos ultra-criativos, bichinhos ganham novos papéis, tudo muito divertido.

Tudo isso nos é mostrado com um desenho de traço mais “duro”, antigão, sem texturas tridimensionais ou cores esfumaçadas, o que é bem interessante. Faltou, nesse momento, uma erupção dessa experiência dos personagens, com mais delírios, mais desdobramentos do repertório abrigado pelo circo Giramundos. Fazer o universo lúdico transcender como imagem, como simulação do imaginário infantil, como cinema. Mas seria injusto não ver o filme pelo que ele apresenta ao longo de sua projeção: um grande exercício que enreda o melhor das TVs educativas, os mais recentes Glub Glub e Castelo Rá-Tim-Bum, com as colinhas, purpurinas e tal dos anos 70, a franqueza com a qual ele se aproxima de um repertório que anda escasseando, o do circo (nos créditos, é dito “um espetáculo de Alê Abreu”). Mas, que fique claro: não é por essa “função” que Garoto Cósmico é um belo desenho – um filme não tem de ter uma função, mas simplesmente ser um filme, e a função fica para o uso que cada um quiser fazer do que assistiu na sala. É que Garoto Cósmico constrói um universo mais próprio, “meta-cinematográfico”, mais mundo e sua história recente, mas despretensioso, leve. Ou seja: mais duro (no traço), mas sem perder a ternura.